A contracultura, tal como emergiu nos anos 60 e 70, não foi apenas um gesto de rejeição ao sistema, mas sobretudo um apelo à invenção de outras formas de vida. Com raízes em movimentos pacifistas, ecológicos, libertários e espirituais, abriu caminho a novas formas de pensar o mundo e o lugar do ser humano nele. Entre essas formas, as comunas assumiram um papel especialmente marcante — não tanto como modelos fechados, mas como espaços de experimentação social e cultural, onde se procurava viver de acordo com valores alternativos ao individualismo, à propriedade privada e à alienação urbana.
Ao contrário do que muitos possam pensar, as comunas não são todas iguais nem seguem um único padrão. Algumas nascem com motivações políticas, outras com raízes espirituais ou ecológicas, e outras ainda como tentativas espontâneas de criar comunidades solidárias e afectivas. A ideia comum, no entanto, é clara: repensar a vida em colectivo, partilhando recursos, responsabilidades e decisões. Trata-se de viver com mais intencionalidade, com menos separação entre o eu e o nós, entre a casa e o mundo.
Alguns exemplos famosos
Internacionalmente, algumas comunas ganharam notoriedade e longevidade. Twin Oaks, nos Estados Unidos, fundada em 1967, é um exemplo paradigmático: uma comunidade onde os membros partilham o trabalho, os rendimentos e as decisões, baseando-se numa economia interna solidária. Na Europa, o caso de Christiania, em Copenhaga, mostra como é possível criar uma cidade dentro da cidade, com estruturas autogeridas, vida cultural intensa e uma identidade própria forjada na liberdade e na resistência.
Em Portugal, embora o fenómeno não tenha tido a mesma escala, existiram e existem experiências comunitárias significativas. Nos anos imediatamente após o 25 de Abril de 1974, surgiram algumas tentativas de ocupação rural com princípios próximos dos da vida comunal, especialmente no Alentejo. Em alguns casos, estas iniciativas associavam-se a ideais revolucionários; noutras, eram simples respostas à necessidade de viver de forma mais próxima da terra e longe das pressões do mercado e da cidade. Poucas resistiram ao tempo, mas deixaram sementes.
A comunidade de Tamera, fundada em 1995 no Alentejo, é talvez o caso mais conhecido e duradouro em território nacional. Apesar de muitas vezes ser designada como ecovila — e com razão, dado o seu trabalho na regeneração ecológica e no activismo ambiental —, Tamera reúne muitos dos princípios fundamentais de uma comuna: partilha de espaços e de vida, tomada de decisões colectivas, uma visão ideológica comum centrada na paz, na liberdade e na convivência não violenta. Além disso, é um espaço onde se cultivam práticas sociais alternativas, relações afectivas transparentes, espiritualidade livre e responsabilidade ecológica. A sua dimensão pedagógica e o facto de receber visitantes e formandos pode afastá-la da imagem clássica de uma comuna fechada e autónoma, mas ao mesmo tempo demonstra a sua vocação de diálogo com o mundo, partilhando experiências e conhecimentos acumulados ao longo de quase três décadas.
É importante dizer que a vida em comunidade, especialmente em moldes não convencionais, não é fácil nem isenta de conflitos. Os desafios vão desde a gestão das diferenças pessoais à sustentabilidade económica, passando pela inevitável tensão entre ideais colectivos e desejos individuais. Contudo, é justamente nesse lugar de fricção que muitas comunas encontraram formas novas de organização, de relação e de resiliência. Não se trata de perfeição — trata-se de possibilidade.
Na verdade, a importância das comunas e da contracultura que as inspira não reside tanto na sua capacidade de substituir o sistema dominante, mas sim na forma como abrem espaço para imaginar alternativas. São, por assim dizer, ensaios de futuro. Lugares onde se testam formas de vida menos competitivas, mais cooperativas, mais conscientes da interdependência entre seres humanos e natureza. Num mundo marcado pela crise ambiental, pelo isolamento urbano e pelo esgotamento das promessas do progresso linear, as comunas continuam a oferecer pistas — não como soluções prontas, mas como práticas vivas e em constante reinvenção.
Mais do que uma nostalgia do passado ou uma fantasia romântica, a experiência comunal é, hoje, uma das formas mais concretas de explorar possibilidades de vida mais sustentáveis, mais livres e mais solidárias. Portugal, embora discreto neste campo, alberga pequenas comunidades que, longe dos holofotes, continuam a praticar essa diferença. E é dessa discreta persistência que nasce a relevância: a de não ceder ao cinismo nem à apatia, e continuar a procurar outras formas de viver — não como fuga do mundo, mas como proposta para o transformar.
(1) imagem disponível em: https://www.flickr.com/photos/massacoletiva/8217269963 acesso em 02 de Junho, 2025 – Almoços de Domingo na Casa Fora do Eixo São Carlos.
Bibliografia
- Roszak, Theodore. The Making of a Counter Culture. Doubleday, 1969.
- Turner, Fred. From Counterculture to Cyberculture. University of Chicago Press, 2006.
- Sargisson, Lucy. Utopian Bodies and the Politics of Transgression. Routledge, 2000.
- Gaskin, Stephen. Monday Night Class. Book Publishing Company, 1970.
- Costa, João. Comunidades Alternativas em Portugal no Pós-25 de Abril (Tese de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 2014).
- Site oficial de Tamera: www.tamera.org
- Global Ecovillage Network – gen-europe.org